domingo, 21 de abril de 2013

Parir um texto.

Literalmente hoje eu precisava parir um texto.

Porque estou usando o termo "parir"? Porque parir significa dar a luz, nascer, aliviar, abrandar, amenizar, atenuar, consolar, desafogar, desagravar, descarregar. desopressar, desoprimir, refrigerar... Quando eu digo parir um texto, porque o mesmo após parido, traz um determinado refrigério.

A dor de parir (do parto) tem funções extremamente importantes. Ela mostra o caminho a ser percorrido pelo corpo durante o processo. Ensina em que melhor posição ficar, qual o momento de fazer força, nos ensina instintivamente o que fazer para facilitar o processo fisiológico do nascimento do bebê.

No caso do, quando o o nascimento será um texto, as contrações são confrontos interiores que nos geram necessidade de mudar alguma coisa para nos tornarmos uma pessoa melhor, ou exprimir algo que de uma forma ou outra, está silenciado. Durante o processo de contração, visualisamos por um melhor prisma o caminho que devemos percorrer durante todos os nossos processos presentes. Enxergamos a melhor posição que devemos nos encontrar. Quando agir. Quando não agir. Quando falar. Quando silenciar. Quando simplesmente deixar o tempo voar... É um processo sábio. Entendemos o que realmente vale a pena.

É uma dor muito sábia. Vem e vai a cada contração, como as ondas do mar, oferecendo um tempo abençoado para respirar e para descansar até o próximo mergulho. Aos poucos a maré sobe e as ondas crescem, ficam imensas e precisamos da humildade da entrega, de oferecer corpo e alma à prova máxima da natureza humana. É um processo intenso, primitivo, dolorido e às vezes difícil, mas que pode ser uma oportunidade única de intenso contato com o nosso "eu" interior, com o mistério da vida e com o pequeno ser que vem ao mundo naquele momento. Como o texto que nasce.

A dor de parir nos traz para o presente de forma intensa e talvez seja esta a sua principal função.  Para muitos que escrevem, um texto é um parto. Ele não é escrito. Ele por vezes nasce parido.

Por vezes tento imaginar o que se passou na alma silenciosa de Carlos Drumond de Andrade quando escreveu um dos seus mais belos poemas: Amar... E isto me faz admirar ainda mais Drumond... como também a todos que passam pelo processo de parir textos, poemas, etc.

Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
(Carlos  Drumond de Andrade) 

O pequeno fato de "parir" este simples texto sobre "parir" me trouxe um refigério... há... algo nasceu... no íntimo... no recôndito... algo veio a luz... mesmo que ainda não esteja bem claro,  o cerne da importância não está na compreensão, mas no refrigério, na sensação presente. Na elucidação.

by Fábia Braga.

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